domingo, 10 de abril de 2011

De quem era a coxa de frango?

Certa vez (não sei precisar o tempo), até porque eu ainda era um menino, mas o certo é que os detalhes do fato permanecem vivos em minha memória.
Mamãe a beira do velho fogão de lenha se apressava em aprontar o almoço, o adiantado das horas dava mostras de que meus irmãos (os nove) estavam para chegar da roça, e certamente famintos por aquele feijão de corda, um pouco de arroz, e pelo o que sobrara de um frango servido no domingo, o que com um bocado de farinha era suficiente para manter de pé àquela família numerosa de gente trabalhadora, da qual eu era o mais recente membro.
Papai naquele dia não havia ido trabalhar, era uma diária de serviço que meu velho perdia fato que causava estranheza já que nem as pingas que ele costumava tomar eram capazes de lhe tirar a coragem para o trabalho, num canto da casa de barro que morávamos lá estava ele cabisbaixo e com o chapéu tampando-lhe o rosto.
Enquanto isso, eu de longe olhava e tentava entender o que acontecia, até que fui surpreendido por meu pai que num movimento brusco se levanta e caminha rumo ao fogão de lenha. Como de costume coloca primeiro a farinha no prato e depois o feijão de corda, o arroz o velho não fazia questão ou deixava para nós já que as medidas eram poucas. Ao aproximar-se da panela de frango papai apanha uma coxa vistosa e mamãe atinada nas tarefas diárias observa que é preciso lembrar-se dos meninos que estão para chegar, em nossa casa priorizávamos quem estava no laboro. Diante disso papai devolveu o frango na panela sob protestos de mamãe que dizia para pegar novamente, coisa que ele não o fez.
Depois de comer apressado aquele feijão de corda com farinha papai saiu de cara fechada sei lá eu pra onde. Foi então a minha vez de comer, mamãe colocou a minha comida e notei no prato um pedaço de frango, quando ela voltou pros afazeres fui até a panela e repeti o ato de meu pai, de longe mamãe viu e veio me questionar, com postura bem parecida a do velho franzi a testa e disse que era preciso lembrar-se dos que estavam trabalhando, acho que ela não esperava esta atitude de minha parte e sem argumentos preferiu calar-se.
Meus irmãos chegaram cansados, mas alegres, o trabalho havia sido feito e não era preciso retornar à tarde, sobraria tempo para ir até o lago pescar e garantir mistura para alguns dias.
Quando o sol estava pra se por vejo papai voltando, só que desta vez com o semblante alegre, trazia nas costas uma caixa grande e pesada que mesmo assim não diminuía sua alegria, fez sinal para um de meus irmãos, o mais velho dos homens (que para nós era João, para os meninos da rua era o “mudinho”, pelo fato de ser surdo-mudo), que apressadamente foi ao seu encontro ajudando-lhe com a caixa. Surpresa maior do que o sorriso de meu pai foi ver que na caixa havia carne, é bem verdade que não eram as mais nobres, coração, mocotó, língua, bucho e rabada (naquele tempo a elite ainda não sabia apreciar uma rabada).
Durante o jantar em meio aquela festa toda descobri que papai havia passado a tarde toda abatendo e carneando vacas para sitiantes em troca dos chamados miúdos. Eu continuava a observá-lo, comeu pouco, se mostrava satisfeito por nós e também de certa forma dava à mamãe a resposta calada desde cedo.
Já era noite, eu dormia num colchão de palha na sala e prestes a “garrar” no sono vejo papai voltando do terreiro, guardou-o violão e foi até a cozinha, abriu uma das panelas, colocou um pouco de farinha e a sacudiu, eu deitado com os olhos quase fechados observava a tudo e me admirei quando papai pegou da panela um pedaço de frango e mais uma vez sorriu; um sorriso daqueles de criança quando é presenteada. Não era um pedaço de frango qualquer, era justamente a coxa que ele esperava ter comido no almoço.
Depois de comer meu velho pai se lava num tambor de água e se recolhe a seu quarto, eu cá comigo pensei que papai certamente dormiria com a alma tranqüila, e como filho que costuma seguir o exemplo dos pais da mesma maneira também dormi, não sem antes balbuciar:
- É mamãe aquela coxa de frango era realmente para papai.


Josenildo – Ceará